Antes
que Santos se esgote
Olavo Thadeu Fermoseli Câmara
Especial para “A Tribuna”
Subindo, de Santos para São Paulo, em
um dia de Semana, com pouca probabilidade de muito tráfego, me vi participante
de um drama - o congestionamento - e o que me chamou a atenção foi o
desenvolvimento da cena e a movimentação dos personagens. O cenário da Rodovia
dos Imigrantes, iluminado por um sol de quase 40ºC, apresentava tráfego normal,
quando repentinamente o fluxo foi perdendo em velocidade até que os veículos se
tornaram estáticos. Em um primeiro instante, ordenadamente justapostos sobre as
generosas pistas da moderna rodovia. Entretanto, os motores permaneciam
ligados e, no instante seguinte, alguns motoristas espertos buscavam uma
posição mais avançada, aproveitando-se da saída cautelosa do companheiro da
fila ao lado (“A outra fila anda sempre mais depressa.”) ou utilizando-se do
acostamento que, em pouco tempo, estava totalmente congestionado. Na seqüência
seguinte, a sirene insistente do Corpo de Bombeiros, que serpenteava
vagarosamente o mar de veículos, tentando em vão alcançar um caminhão que,
alguns metros acima, consumiu-se em chamas, antes que pudesse receber uma gota
de água.
Até aqui a cena foi descrita tal como realmente aconteceu...
mas...e se o caminhão transportasse carga combustível ou qualquer produto
tóxico? É uma situação que se enfrenta frequentemente quando participamos deste
drama que é subir e descer a Serra do Mar (e já está em cartaz há muito
tempo). A ligação entre o litoral e o interior, através da Serra do Mar, sempre
foi problemática, desde a chegada de Martim Afonso de Souza.
É interessante observar a atitude dos motoristas disputando
cada centímetro de pista para estar mais a frente, não guardando distância do
veículo que vai adiante ou obstruindo o acostamento na tentativa, sempre
frustrada, de ganhar tempo.
Em se tratando de uma situação que se apresenta
problemática, frequentemente e de forma cíclica previsível. Cuja solução, no
momento, é impraticável e demanda um determinado tempo, necessário se faz
adotar procedimentos com vistas a minimizar seus efeitos negativos.
Congestionamentos ocasionados por acidentes são muito
freqüentes, ainda que o fluxo seja reduzido. Por outro lado, são freqüentes e
previsíveis os congestionamentos de fim de semana, feriados ou temporada, neste
caso, causados pelo intenso fluxo que demanda a Baixada ou dela regressa. Em
ambos os casos, campanhas educativas, visando o comportamento dos motoristas
seriam providenciais. Isto poderia ser feito através de Sinalização Educativa
nas rodovias, distribuição de volantes (impressos) nos pontos de acesso às
rodovias, postos de abastecimento, ou mesmo, no pedágio, com a orientação para
motoristas, em caso de congestionamento e, principalmente, a forma e alternativas
para evitá-los.
A participação dos meios de comunicação em tal trabalho é
fundamental. Boletins informativos sobre as condições de tráfego nas rodovias
através de rádio contribuem sensivelmente para a redução destes problemas.
As autoestradas alemãs apresentam, ao longo de seu
percurso, placas indicando a freqüência da emissora que emite boletins sobre as
condições do tráfego regional.
Atualmente, na Alemanha, existe uma forte consciência dos
problemas ambientais decorrentes da abertura de novas pistas. Por esta razão,
foi desenvolvido um programa para utilização racional das autoestradas que
envolve, entre outras coisas, alternativas de transporte de massa concorrendo
com as pistas, Central de Carona - “Mitfahrezentrale” - organização existente
em vários países, onde o motorista deixa seu destino e o número de lugares
disponíveis que, por uma taxa econômica, permitirá a outras pessoas viajar de
carona.
Num primeiro momento, o programa visa a redução do número de
veículos trafegando pelas autoestradas e, ao mesmo tempo, reduz o consumo de
combustível e a conseqüente emissão de resíduos contaminando o ambiente. Ainda
assim é intenso o fluxo nas autoestradas e normal a ocorrência de
congestionamentos. A partir do momento que se verifica a ocorrência sistemática
de congestionamentos em um determinado trecho, são pintadas faixas brancas
sobre a pista sinalizando, em caso de parada, a distância a ser mantida entre
um veiculo e outro. São os congestionamentos localizados que ocorrem em situações
previsíveis no tempo e no espaço.
Nestas situações, uma placa luminosa avisa que a “tantos” quilômetros,
à frente, a pista encontra-se congestionada, permitindo a redução gradual da
velocidade, com economia de combustível e sem risco de acidentes.
Um exemplo típico é o entroncamento de Piaçaguera, ou a
entrada de Santos, quando um fluxo esparramado se afunila, desembocando no
centro da cidade.
Os ônibus de funcionários que demandam Cubatão concorrem ou
divergem de um mesmo ponto em horários previstos causando enormes
congestionamentos. A sinalização de pistas preferenciais, o controle dos
horários de entrada e saída e a orientação adequada de seus motoristas
resultariam em melhores condições para seu trabalho, evitando acidentes e
atrasos. Estas medidas podem ser adotadas em curto prazo, porém, a médio e
longo prazo, o transporte de massa, através da estrada de ferro que já existe,
com ligação até o planalto, contribuiria para a redução gradual do problema de
acesso não somente a Cubatão, como também a São Paulo.
A solução que defende
a construção de mais uma pista de acesso ou a ampliação das atuais merece uma
análise mais abrangente, que avance além dos custos financeiros e dos impactos
ambientais sobre a Serra do Mar. A Baixada Santista constitui-se em um pólo de
atração turística, cujo raio de ação se estende para além dos limites da Grande
São Paulo. Na medida em que o acesso a este pólo é facilitado, compromete-se a
sua atratividade.
As praias são a principal atração da Baixada Santista e
quando estas se tornam impraticáveis, em conseqüência de superpopulação
flutuante ou não, caracteriza-se uma situação de esgoto, e aqui não se refere
ao esgoto sanitário, que também é um problema que se agrava nestas
circunstâncias, mas a um conceito mais abrangente.
Este fenômeno foi estudado por biólogos que observaram o
homossexualismo em grupos de ratos, em processo de superpopulação, e
conseqüente escassez de alimentos, como mecanismo de controle da população
flutuante, a fim de evitar o esgoto. A antropofagia, em outros grupos, funciona
como mecanismo inibidor do esgoto. Assim foi observado que, em grupos de
esganagatas, o fenômeno de se alimentar do semelhante estava associado à
superpopulação, desaparecendo assim que o equilíbrio fosse restabelecido. Desta
forma, entendendo os mecanismos naturais de controle do equilíbrio
populacional, ou concentração de indivíduos em um determinado meio,
transferimos o conceito para grupos humanos e qualidade da vida. Na medida em
que aumentamos a acessibilidade à Baixada Santista, estamos possibilitando que um
número cada vez maior de indivíduos atinja este ponto em menor tempo. Isto
significa um aumento do número de automóveis em circulação, aumento do consumo
de água e alimentos e o conseqüente despejo de resíduos - neste caso, o
esgotamento sanitário - concentrados em um pólo de atração (neste caso particular,
uma ilha).
Os efeitos negativos do esgoto são sentidos não somente pela
população que demanda o pólo (população flutuante), mas também pela população
que nele reside. Sendo que a primeira tem como alternativa escolher outro local
para seu fim de semana ou férias, enquanto a segunda vive neste pólo e ainda
mais, depende economicamente da vinda da primeira.
Para se entender ainda melhor de que forma a atratividade é
inversamente proporcional à acessibilidade, besta observar Guarujá,
principalmente, quando se cogita da construção de uma ponte, em substituição às
balsas que operam a morosa travessia. Até o momento os velhos ferry-boats
funcionam como mecanismo inibidor do fluxo em direção a Guarujá,
preservando, de certa forma, a atratividade das praias da ilha de Santo Amaro,
não permitindo que ali se instale uma Situação de esgoto.
Assim como para se freqüentar uma praia menos poluída e mais
tranqüila, enfrentamos a fila da balsa, precisamos aprender a conviver com o
congestionamento, evitando acidentes, lembrando que, de alguma forma, ele
contribui como mecanismo inibidor do fluxo em direção à Baixada
Santista, preservando o que resta desta situação de esgoto.
Olavo Thadeu
Fermoseli Câmara é Arquiteto e Professor
Artigo publicado
na página 33 do jornal A TRIBUNA
- Domingo, 25 de
janeiro de 1987